Janet Clift

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Conheça um pouco da história de Janet Clift, sensei inglesa que mora na Grécia – abaixo, transcrevo um trecho da entrevista dela para o site de Guillaume Erard, dando sua opinião sobre as mulheres no aikido e suas práticas com os homens, sobre o envelhecimento da comunidade aikidoka e sua sugestão sobre o quê podemos fazer em relação a isso. Boa leitura! 😉

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JANET CLIFT  começou o Aikido aos 13 anos em seu clube local em Chester, norte da Inglaterra, com Steve Parr sensei. Pouco tempo depois, ela passou a treinar em Liverpool com Terry Ezra sensei. Sediada em Chester, onde as escolas de verão da Federação Britânica de Aikido são realizadas todos os anos, ela frequentou acampamentos de verão desde muito nova com os shihans que lecionavam lá. Aos 18 anos, mudou-se para Oxford, mas por pouco tempo e logo depois para Londres, a fim de treinar sob a direção de Minoru Kanetsuka sensei, diretor técnico da Federação Britânica de Aikido.

Depois de dois anos em Londres, ela se mudou para Tóquio, no Japão, para treinar no Hombu dojo, a sede da Aikikai. 

Viver nas proximidades do Hombu Dojo dava a ela mais tempo para treinar e também menos deslocamentos, permitindo que ela pudesse assistir sempre às aulas dos shihans que ainda ensinavam na época: Yamaguchi sensei, Arikawa sensei, Osawa sensei e, claro, Kisshomaru Ueshiba.

Seus parceiros de treinamento foram os uchideshis da época e que atualmente são professores no Hombu dojo, como: Sugawara sensei, Kobayashi sensei, Kuribayashi sensei e Kanazawa sensei.

Após 4 anos de treinamento em tempo integral no Hombu dojo, mudou-se para San Diego, EUA, para treinar com Chiba sensei, onde praticou intensamente com armas e também meditação zen, áreas nas quais Chiba sensei coloca ênfase particular.

Em 1994, ela foi premiada com Yondan (4º Dan) e retornou à Inglaterra para abrir um dojo em sua cidade natal. Durante esse período, ela começou a viajar para a Europa continental para ministrar seminários. Em 1997, mudou-se para a Grécia depois de visitar Atenas várias vezes para ensinar e treinar lá. Janet é convidada com frequência para ministrar seminários pela Europa.

Abaixo, um pequeno trecho da entrevista de Janet Clift durante o 12o. seminário da Federação Internacional de Aikido em Takasaki, Japão em 2016.

Entrevista de Janet Clift para Guillaume Erard

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Guillaume Erard: Por que você acha que a população do Aikido está envelhecendo tanto?

Janet Clift: Eu acho que possivelmente talvez seja uma combinação de algumas coisas: à medida que os professores envelhecem, eles tendem a não atrair pessoas mais jovens, esse pode ser um fator. E também acredito que algumas pessoas que estão na liderança deveriam realmente “dividir” o poder e delegar a outras pessoas, e fazer com que as pessoas mais jovens ensinem, e ensinem em seu dojo. Quero dizer, o que vemos na Grécia são pessoas mais jovens ensinando no dojo em que estão e então você atrai pessoas mais jovens também. Elas não querem um sensei ou uma mulher de 50 anos como eu ensinando-as. Isso é um fato, talvez… seja um pouco preocupante, mas acho que se as pessoas continuarem a manter esse tipo de “fantasia”, de que serão aquele sensei ensinando para sempre, acredito que isso seja muito prejudicial para o aikido.

Guillaume Erard: O que podemos fazer para reverter essa tendência?

Janet Clift: É preciso haver alguma flexibilidade para ensinar ou envolver os jovens no processo de ensino. Capacitando-os a sentir que eles têm um futuro no aikido. Eu acho que tudo está muito contra eles, sabe? Eles chegam e praticam com as mesmas pessoas repetidamente… Acho que isso “endurece” o aikido. Mas, claro, é meio que misturado com um elemento tradicional do Japão, que tem uma forte hierarquia. Mas não o deixa muito dinâmico, eu acho.

Guillaume Erard: Você acha que devemos prestar mais atenção ao que os iniciantes têm a dizer?

Janet Clift: Isso é um fator importante. “Como o Aikido está impactando as vidas dos iniciantes, faixas brancas?” Porque eles são importantes! Sempre nos concentramos nos yudanshas ou nos professores, mas sem essas pessoas iniciantes não estaríamos aqui! Isso é um fato. E assim, se os ignorarmos continuamente, em 20 anos não haverá mais ninguém para ensinar. Você sabe, nós podemos não estar aqui (bem, você estará pois você é jovem – risos), mas eu talvez não exista mais daqui a 20 anos, e se você deixar continuamente de lado os iniciantes, os faixas brancas… é um erro grave, e pagaremos o preço, você sabe.

Guillaume Erard: O que podemos fazer para ajudar os iniciantes e aumentar o nível de maneira geral?

Janet Clift: Acho que muitas aulas poderiam ser mais voltadas para graduações mais baixas. Postura, Tai Sabaki … coisas simples que tendemos a perder de vista. Estamos projetando pessoas e parecemos perfeitos… Mas você se esquece o que é realmente fundamental e o que faz as pessoas pensarem que estão aprendendo alguma coisa. Sinto que no meu próprio dojo, as pessoas têm que sentir que estão começando de algum lugar e estão progredindo e melhorando. E eles têm uma base, eles têm que ter uma base forte. Eu acho isso importante. Então, talvez isso seja algo que tenha que ser observado, que haja uma classe fundamental, uma aula básica para as pessoas. Porque se você perder essa parte do treinamento e do desenvolvimento, nunca conseguirá recuperará depois.

Guillaume Erard: Por que não há mais instrutoras/ senseis?

Janet Clift: Bem, acho que mais homens praticam aikido do que mulheres, no geral. Isso é um fato. E também não sei exatamente por que, talvez os homens sejam um pouco mais ambiciosos do que as mulheres para ensinar … Eles têm uma vontade de poder mais forte do que as mulheres, acho que as mulheres não assumem uma posição de autoridade naturalmente, não é da natureza delas. … Eu não estou dizendo que não é da natureza de todas as mulheres, mas principalmente – eu estou generalizando… Não tenho muita certeza do porquê. Eu acho que é apenas uma proporção que existam mais homens do que mulheres. E acho que há talvez, uma falta de autoconfiança nas mulheres: elas não se acham tão poderosas, e não são tão fortes fisicamente quanto os homens … é claro que você encontra homens de estrutura pequena e mulheres grandes … mas, geralmente, as mulheres não são fisicamente fortes. E acho que talvez isso as torne menos confiantes, que elas não sentem que podem ser professoras ou ter alguma autoridade. Eu quero dizer que, quando eu estava na América, havia muitas mulheres mais velhas, eram boas professoras, muito confiantes e muito capazes para ensinar. Então eu acho que também depende do país.

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Guillaume Erard: Existe um elemento cultural para essa diferença?

Janet Clift: Eu acho que há um forte elemento cultural, sim. Nos Estados Unidos, as mulheres são talvez … mais iguais e mais receptivas e suas expectativas em relação a si mesmas são diferentes, são muito diferentes. Mas na América, definitivamente, há muito mais igualdade de gênero, eu acho. E eu acho que provavelmente Yamada Sensei, e também Chiba Sensei, quando estava vivo, trabalharam muito para encorajar as mulheres, e eles estavam muito abertos a ensina-las.

Guillaume Erard: Isso realmente se resume a incentivar as mulheres ou há um problema mais profundo no Aikido?

Janet Clift: Existem tantos lados diferentes nisso … O que está acontecendo com homens e mulheres? Só acho que não é tão simples dizer que ‘as mulheres não são encorajadas ou só os homens são incentivados’ … acho que há muita coisa acontecendo, sabe? Não é simples responder sobre isso… Obviamente, existem problemas que você vê… Mas, pessoalmente, não fui muito afetada por eles; foi muita sorte. E talvez eu até tenha sido, mas não percebi isso. Acredito que as mulheres precisem ser duas vezes melhores que os homens para ter a mesma posição, o mesmo destaque.  Você tem que ser excepcional como mulher … Sabe, eu já vi caras muito medíocres e eles conseguem posições de professor porque são fortes, conseguem projetar pessoas. Então esse é o resultado final, sabe? E esse resultado final não está certo.

Guillaume Erard: Parece-me que os homens estão mais inclinados a corrigir seus parceiros quando são mulheres …

Janet Clift: Provavelmente essa é a queixa mais comum que escuto das mulheres: que elas são constantemente corrigidas pelos homens. Qualquer que seja a capacidade ou graduação do homem, elas são constantemente corrigidas. É uma suposição de que a mulher não seja tão boa quanto o homem. E acho isso muito estranho: que tipo de homem faz isso? Eu acho isso muito estranho … Bem, é uma reclamação que ouvi muitas vezes de mulheres. Quero dizer, isso está em toda parte para mulheres, esse tipo de coisa, essa agressão ou coisas do tipo como dizer às mulheres o que fazer … está em toda parte. Mas acho que é dessa maneira que se manifesta no tatame e é físico e não é muito agradável. Pode ser muito perturbador, muito perturbador.

Guillaume Erard: Como podemos aumentar a conscientização dos professores sobre esses problemas?

Janet Clift: Não sei como isso pode mudar. Realmente não sei como esse problema pode ser apresentado e resolvido. Quero dizer, para mim, como professora, um homem que não leva ukemi de uma mulher é como um ‘pano vermelho para o touro’. E o homem pode até ser muito pior tecnicamente do que a mulher, mas ele simplesmente não aceita ukemi dela. E já vi isso em várias ocasiões, e devo dizer que é uma coisa que pode me deixar realmente zangada. Eu fico com muita raiva quando vejo isso.

Guillaume Erard: Você acha que deveria haver uma boa proporção de mulheres em todos os dojos?

Janet Clift: Eu acho que esse é o sinal de um dojo saudável; quando há uma boa porcentagem de mulheres no dojo. Se são apenas homens… quando recomendo que alguém vá ao dojo, sempre digo: “Certifique-se que haja muitas mulheres no dojo”. Porque se não houver, algo não dará certo naquele dojo. ” Geralmente é um sinal de que algo não está dando certo, definitivamente.

Guillaume Erard: Como você lida com essa questão em seu próprio dojo?

Janet Clift: Uma coisa que sempre faço, que acho que ajuda a diminuir isso, definitivamente no meu dojo – e penso que para muitos dojos – é que sempre me concentro no ukemi. Quando recebo iniciantes, homens, sempre me concentro no ukemi, e não na técnica. Portanto, eles entendem que estão caindo e recebendo um movimento: seja qual for esse movimento, quão bom ou ruim, seu trabalho é cair. E acho que quando você enfatiza isso é que realmente muda a dinâmica. E eu faço eles caírem sozinhos, eu não os “faço cair”, sabe? Essa prática de solo do ukemi, acho que ajuda a entender: que você não está esperando necessariamente para ser projetado, mas que isso é a prática em si.

Link para entrevista de Guillaume Erard: https://guillaumeerard.com/aikido/interviews/interview-with-janet-clift-6th-dan-aikikai/

Imagens: Guillaume Erard e Aikido Athens

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